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Meu Borderline e Sete Dias para o Fim


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Recentemente, mais especificamente no último trimestre de 2024, eu recebi o diagnóstico de Transtorno de Personalidade Borderline. O transtorno não era uma novidade para mim em termos técnicos e teóricos, já que eu o conheci nas aulas de Psicopatologia da faculdade. O que, no entanto, eu não esperava, é que eu poderia me enquadrar tão bem como uma peça de quebra-cabeça nos sinais e sintomas.

Minha psiquiatra foi minha médica quando fui socorrida após uma escolha ruim em meio do caos da minha mente perturbada por tantos problemas. Eu não fui exatamente salva por ela ou pelos enfermeiros que me cuidaram na UTI com muito carinho. Fui salva pelo acaso: não era a minha hora. Ainda assim, não subestimo o cuidado que tive, até porque a médica me apoiou e ouviu os motivos que me levaram até aquela situação tão crítica. Ela então disse que queria cuidar pessoalmente do meu caso, e me encaminhou para suas consultas no CAPS (Centro de Atendimento Psicossocial).

Mas eu não estou aqui para contar minha trajetória de descoberta de um transtorno; quer dizer, estou sim, mas não por esse ponto de vista. Eu quero contar antes da escolha ruim, durante a minha escrita.

Eu fui uma criança feliz até determinado ponto. Era criativa, sonhadora, empolgada com o futuro. Quando meus pais se separaram, no entanto, a culpa de ter nascido e destruído um relacionamento por conta da sua simples existência tomaram conta da minha mente com apenas 7 anos. Desde então, com muita mudança familiar, de cidade e de escola, eu me vi sozinha.

Sozinha diante do luto de minha mãe, do abandono de meu pai, da perda de amigos, do sofrimento de bullying e a dificuldade de criar novas amizades. Rapidamente me tornei reclusa, tímida, com medo de socialização, com pensamentos tristes, tão tristes que muita gente confundia a minha total incapacidade de lidar com o abismo com preguiça. Eu era sempre julgada pela família e outros de ser glutona, preguiçosa, cansada e mimada. Sim, eu tive — e ainda tenho — distúrbios alimentares, o que me fazia parecer uma glutona; Sim, eu sempre estava parada e sem energia por conta da precoce depressão, o que me fazia parecer uma preguiçosa; Sim, eu também costumava preferir atividades sentada para "evitar fadiga" e também por conta de meu sobrepeso, que me fazia parecer cansada à toa; E sim, eu era muito frágil e não sabia lidar com críticas negativas, o que me fazia parecer mimada.

Minha história é parecida com a história de muitas pessoas abandonadas, não estou me fazendo de vítima aqui, tanto é que a salvação que tive durante toda minha vida, desde muito menina, era contar histórias. Curiosamente, minha decisão por ser uma contadora de histórias veio aos 7 anos, após assistir Wendy no filme Peter Pan nos cinemas três vezes, logo após a separação de meus pais. Parece que, enquanto o casamento de meus pais morria, a Wendy despertava em meu coração.

Desde então eu tentei escrever inúmeras histórias: até a capacidade da minha memória, me lembro de uma genérica escola de heróis, um grupo de super-heroínas, uma jovem que vai para o mundo do Halloween e, um dos mais recentes e que tomaram mais do meu tempo, um mistério adolescente. Este último o mais original da lista, ainda que cheio de muitas referências. Na verdade, ainda que os temas pareçam réplicas para você, pode ter certeza que sempre me esforcei para contar o velho de uma forma nova. O meu objetivo de vida nunca foi ser a melhor, mas a única.

Eu fui muito feliz contando o mistério adolescente em formato de roteiro, sonhando em uma animação bem feita estilo Avatar. Acho que fiquei escrevendo e alimentando essa história por cerca de 11 anos, aprimorando a escrita, estudando e, paralelo a isso, também ilustrando e melhorando meus traços. Foi uma época que eu fechei meus olhos para as fantasias e comecei a apreciar mais as histórias realistas de romance policial e ação — Agatha Christie, Sir Arthur Conan Doyle, Dan Brown.

Mas chegou num ponto que, por algum motivo, eu não me sentia mais satisfeita contando histórias tão pé no chão, e creio que foi por conta da minha aproximação com os RPGs, em especial as histórias de vampiro. Eu me vi voltando à menininha que eu era antes dos problemas da separação, a menina sonhadora, que amava criaturas do Halloween, fadas, bruxas e etc.

Isso calhou para a situação que viria logo a frente...

Escrever Sete Dias para o Fim não só foi uma diversão e uma volta aos meus velhos anos como uma estudante de escrita narrativa, mas foi principalmente uma ferramenta poderosa de desabafo. Encontrei no surreal e sobrenatural uma forma de falar a minha realidade, e a minha realidade me encantava pouco e me entristecia muito. Eu não sabia na época que eu sofria do Transtorno de Personalidade Borderline...

Para quem não conhece o termo, Borderline é uma psicopatologia que afeta majoritariamente mulheres. Como eu, são pessoas que sofrem de alteração abrupta de humor, são extremamente carentes, ficam desesperadas em situações de separação, temos baixa tolerância à frustração, ficamos irritados com facilidade, sentimos tédio e vazio com frequência.

Se te parece insuportável, saiba que é uma luta constante e imagino que, se é chato para mim, é chato também para quem me rodeia.

A grande e dolorosa verdade é que eu comecei a escrever Sete Dias para o Fim acreditando estar no meu período mais saudável, mas eu estava errada. Quando eu revisito memórias e, principalmente páginas, eu percebo quantos sentimentos guardados à sete chaves foram escancarados durante a escrita de uma aventura de vampiros. Eu estava afundando, declinando e o processo estava sendo tão lento que eu nem havia percebido a minha própria miséria.

E então aconteceu.

Eu caí depois de olhar demais para o abismo.

Queda livre, sem adrenalina, só indiferença. "Tanto faz", eu dizia. "Que trajetória inútil".

Fui internada sem esperança, sem vontade, apenas com a mente cheia de culpa por ver minha mãe debruçada ao pé da minha maca. Dava para sentir, exalando dela, lágrimas salgadas que se traduziam em "onde foi que eu errei?". Essa é a maior dor que carrego até hoje, ter feito minha mãe se sentir uma mãe ruim.

Por muito tempo me senti presa. Digo, sem capacidade de "ir embora", se é que você me entende. Parecia que minha vontade de encerrar minha vida nunca poderia ser realizada porque, infelizmente, eu cativei algumas pessoas no decorrer dos meus 28 anos de vida. Para muita gente isso seria reforçador, mas para mim eu só queria ser deixada em paz...

Então, como uma última tentativa de escalar os tijolos frios, escorregadios e cheios de limbo do poço fundo que eu caíra, eu encontrei meu livro ainda sem final. Inacabado, em um momento crítico cheio de tramas trágicas e com uma problemática a ser resolvida. A princípio eu não me vi disposta a dar continuidade, mas a tentação de dar pelo menos um final feliz para minha única obra prestes a ser finalizada era tão tentador...

E sim, ao menos minha obra merecia ser feliz. Eu me esforcei para encontrar pouco a pouco coragem de subir os tijolos, sem perceber que, enquanto eu trazia aos meus personagens esperança após muita luta, eu também estava carregando meu peito de novos ares e novas perspectivas. Não é fácil sair do poço, mas a sensação de estar chegando mais próximo da superfície é melhor do que sentar-se no chão úmido, que não se sabe ao certo se é por conta de antigas águas que passaram por ali ou se é das milhares lágrimas que deixou escorrer diante de crises e mais crises.

Meu Borderline estava presente em cada detalhe do livro, em cada personagem e, principalmente, em Mirela e Jonathan. Eu escrevi neles verdades difíceis demais para eu perceber. Antes, achava que eu estava apenas dando aos personagens voz para suas melancolias, mas então eu percebi que eles eram as vozes que eu usei para falar sobre a minha melancolia. Louco, não é? Perceber que na verdade seu personagem é uma extensão sua tão nua e crua, apesar dos disfarces muito bem mascarados.

Minha vida estava prestes a ter um reboot, se assim poderia ser possível. Eu comecei a tratar o transtorno junto da finalização do livro, e em um dos melhores cenários após todo o inferno que passei, eu lancei a obra para que o mundo conhecesse a minha batalha. É difícil me mostrar assim, ainda mais agora contando a vocês que o livro mais se assemelha à um diário de uma jovem adulta em crise, mas eu prefiro assim: prefiro que as pessoas me conheçam de verdade, da mesma forma que eu agora estou me conhecendo e me aprimorando no que me é possível e também me despindo da obrigação de ser boazinha, quietinha e comportada. Eu não quero ser assim, não mais. Eu não quero mais ser uma resposta ao que os outros precisam.

Eu quero ser eu.

Porque, enfim, eu saí do poço e estou contemplando o horizonte. Às vezes é ensolarado e aconchegante, às vezes anoitece e traz um vento que diverte as minhas bochechas e meus cabelos quando me encontra; E, muitas vezes, ainda chove, chove muito, inunda o poço, mas o bom é que, de novo, eu estou fora dele e sei que, depois da chuva, as flores irão florescer.

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